Editor: Tinta da China Edições
Ano: MMVIII (2008)
Nº de páginas: 226
Estado de conservação: Bom, como novo
Referência: 2304071
— Miguel Esteves Cardoso
«Talvez não devesse ter regressado ao lugar onde fui feliz,
ou assim me lembro dele, com as ruas baixinhas, quase de brinquedo, as
multidões sempre pequenas, os vestígios da praia ainda no corpo ao fim do dia,
entre um gelado e a caixa dos bonecos. Quando regressei, de passagem, a cidade
estava irreconhecível, mais ampla e moderna, já não era minha, a Figueira da
Foz já só existe na minha lembrança ou imaginação, se é que há diferença entre
uma e outra. Reconhecia os sítios mas não reconhecia o espírito dos sítios,
indestrinçável de quem eu fui, da infância como eu me lembro dela, plácida e
segura e cheia de possibilidades. No meio dessa estranheza, entro na rua do
Casino e vejo aquela ancestral montra dos bonecos, aquela caixa de madeira e
metal, ainda na mesma entrada do mesmo salão de jogos, mas agora ela mesma uma
diversão arcaica, museológica, tão distante como a infância ou os anos setenta.
Ninguém lhe ligava nenhuma. Ninguém usava uma moeda que tivesse sobrado,
suponho que euros agora em vez de escudos. Os bonecos estavam parados, não
tocavam, nem dançavam, nem faziam a sua coreografia automática mas mágica. Meti
a mão ao bolso e peguei numa moeda. Quis pôr a infância em acção, musical e
cromada, ali à vista de todos e à minha, o circo ambulante e estático da minha
infância por interpostos bonecos. Hesitei. Desisti. Virei costas e pensei: Nada
de melancolia.»
— Pedro Mexia