Idioma: Francês
"Desde o início que a força da inquisição se abateu sobre a
cidade de Bragança e, à entrada da última década do século de 500, isso ficou
patente na condenação à morte de 17 brigantinos pelo tribunal de Coimbra.
Entrou-se então num processo de denúncias em série e o tribunal ficou
“entupido” com tantos processos e tantos prisioneiros, operação que foi
brilhantemente tratada por Elvira Mea como o “caso dos falsários de Bragança”.
Neste movimento de prisões foram apanhados os avós e bisavós
de Baltasar e foi em meio dessa tragédia que seus pais nasceram: Manuel Álvares
Oróbio em 1590 e Mência Fernandes Nunes, em 1596. Em 1617 nasceu Baltasar
Álvares e tinha uns 5 anos quando os seus pais abandonaram a cidade e se
meteram por Castela adentro, certamente receosos de nova investida da
inquisição.
A família fixou residência em Málaga, onde nasceram outros
filhos: Ana (c.1624), Leonor (c.1626), Melchior (c.1627), Violante (c.1628) e
Clara (c.1632). Chegaram pobres, mas tinham a proteção de Mateus Rodrigues
Nunes, tio materno de Baltasar, que era ali administrador dos “millones”
(imposto lançado sobre os bens de consumo: carne, vinho, azeite…).
Seria o mesmo tio a pagar os estudos de Baltasar quando este
se matriculou no curso de medicina em 1633, na “medíocre” universidade de
Osuna, passando em 1635 para a prestigiada universidade de Alcala de Henares.
Certamente que o tio também abriu os cordões à bolsa para “comprar” a
indispensável prova de limpeza de sangue. Nesta universidade tirou o
bacharelato em Artes, mas não consta que tenha feito o exame final para ser
diplomado em medicina. Na primavera de 1640 desapareceu, pura e simplesmente. É
que, entretanto, os seus pais e uma dezena de outros membros da família foram
denunciados à inquisição de Espanha.
O processo dos pais não impediu o Dr. Baltasar Oróbio de
entrar na universidade de Sevilha como professor de medicina, em finais de
1642. Terá falsificado o diploma, como escreve o investigador francês Jacques
Blamont?
Dois anos mais tarde pediu a demissão para entrar ao serviço
do duque de Medinaceli e, em 1651 casou com Isabel de Pena, filha de um rico
comerciante, levando um dote de 6000 sólidos. O “grande doutor” vivia então
numa luxuosa casa, servido por 3 escravos e muitos criados. Com ele ou ao lado,
viviam os pais e os irmãos, que entretanto casaram e estabeleceram redes de
negócio, nomeadamente na área de importação e comércio de chocolate. O tio
Mateus é que não estava. Depois de uma curta passagem pela inquisição, fugiu
para a Itália, em 1648 e ali aderiu ao judaísmo. Terá sido ele que enviou a
Baltasar um livro de orações judaicas, “encadernado em badana negra, com umas
raias douradas e com umas cintas para assinalar, do tamanho de umas Horas de
Nossa Senhora, de 3 dedos de alto, impresso em língua castelhana”, como
testemunhou na inquisição de Valladolid um tal Duarte Rodrigues?
Adivinhando tempestade, o pai, o irmão Mechior e o cunhado
Pascoal deixaram Espanha e fugiram para Bayonne, enquanto Baltasar, a mãe, o
cunhado Simão e as irmãs Leonor, Violante e Clara eram presas pela inquisição
de Sevilha. Saíram reconciliados com sequestro de bens, cárcere e hábito
perpétuo no auto de fé de 11 de Junho de 1656. Da pena constava ainda a
proibição de se aproximarem de qualquer porto e das cidades de Madrid, Sevilha
e Cádis. Incrível: em fevereiro seguinte o nosso médico foi encontrado a passear
pelas ruas de Sevilha sem o sambenito!
Sigamos para Bayonne, em França, onde toda a família se encontrava já reunida em 24 de junho de 1660. Em setembro desse mesmo ano entrou o Dr. Baltasar Oróbio de Castro como professor na “medíocre faculdade” de medicina de Toulouse, ganhando “o miserável salário de 290 L”, no dizer de Blamont, que atesta também a falsidade do diploma apresentado. Foi ali professor por 2 anos e ao final de 1662 toda a família se encontrava já em Amesterdão, fazendo-se circuncidar, tomando nomes judaicos e abraçando abertamente o judaísmo. Na Jerusalém do Norte viverá Isaac Oróbio de Castro (nome que ali tomou – “4ª metamorfose”) os seus dias de glória, respeitado e admirado como “um dos mais fecundos apologistas do judaísmo ortodoxo” contra as ideias deístas panteístas e ateístas que ganhavam terreno entre os pensadores judeus, muito em especial os de origem sefardita, com destaque para Baruch Espinosa, João do Prado e Uriel da Costa."