Angola 61
Autor: Rocha de Sousa
Editor: Círculo de Leitores
Nº de Páginas: 362
Dimensões: 24 cm x 15,5 cm
Encadernação: Capa Dura
Estado de conservação: Como Novo
Preço: 17,00 €
Referência: 2204012
Sinopse: - «Quando cumpria o serviço militar; em 1961, fui subitamente mobilizado para Angola e integrado nos primeiros batalhões. [...] Senti a realidade desse salto no abismo, entre 1961 e 1963, e trouxe de Angola exaustivos apontamentos sobre acções concretas de toda a comissão. São infernais e fascinantes deslocamentos, a precaridade inicial de tudo. São retratos vivos e notícia dos mortos, a lassidão e o medo, o afundamento numa espécie de lucidez revelada, perguntas entretanto envolvidas por diversas concordâncias, o sentido dos factos esclarecendo-se a todo o comprimento de noites regadas a café, iluminadas de insónia.
[...]
Uma das nossas patrulhas, [em 07Out1962] constituída,
segundo a escala, pelo pelotão do alferes [miliciano Mário Alfredo Ferreira]
Pêgo, da 166, [...] ficou "encravada" já perto de Nambuangongo, no
regresso da sua missão, batida à frente e atrás por fogo de armas automáticas,
com os flancos igualmente bloqueados por tiros longitudinais, de marcação.
Entre lombas, num escasso troço recto da estrada, sem dispôr de relevos
aproveitáveis [...], o pelotão do alferes Pêgo limitava-se a poupar munições,
colado à terra, esperando qualquer aberta providencial e procurando, em
conjunto, a força de sobrevivência capaz de abortar o mínimo indício de pânico.
Mas era difícil sair daquela situação, gerindo apenas as munições e o tempo.
Quarenta e cinco minutos bastaram para que começassem os lamentos dos mais
temerosos, e para que outros, porventura igualmente temerosos, colocassem as
armas acima das cabeças, disparando rajadas de descompressão e nenhuma
eficácia. Logo aos primeiros devaneios deste tipo, uma das nossas armas foi
batida por tiros rasantes, soltando-se em cambalhotas, enquanto o soldado que a
erguera desatava aos berros, a chamar pela mãe e a clamar "ai que me
mataram". O furriel João [Rosa Coelho] David, tomando à letra os
acontecimentos, [...] vendo os seus companheiros a fazer fogo ao acaso,
sobretudo para o ar, pensou que os guerrilheiros ensaiavam um ataque final,
entrou em pânico, agarrou duas armas, saltou bruscamente para diante, de pé,
disparando à sua volta com as espingardas automáticas à ilharga. Ao surpreender
o inimigo com a deslocação da geometria de tiro, obrigando-o a recolher-se
diante da anárquica mas perigosa flagelação a que era submetido, João David
abriu espaço aos seus companheiros para sair da zona de morte, na raiva de uma
fuzilaria maciça [...] dirigida aos pontos vitais da emboscada. A coberto dos
trilhos, bem escondidos pela anatomia do terreno, os guerrilheiros iniciaram
depressa a retirada [...]. O alferes Pêgo, laboriosamente, conseguiu que os
seus homens suspendessem por completo o fogo. [...] Quando o pelotão chegou a
Nambuangongo, as atenções concentraram-se no "hospital". O ferido, o
soldado Ermidas, tinha o pulso direito perfurado de um lado ao outro [...].
Sentado na cama ao lado, [...] para meu espanto, sorria o furriel João David,
sempre com o seu bom humor sonolento e fanhoso. Tinha as mãos entrapadas.
Contou-me como perdera a cabeça e como arrebatara as duas armas, disparando-as
em rajadas quase contínuas. "Já sei que o Pêgo vai louvar a minha
loucura" - disse ele -, "mas eu quase não me lembro do que fiz,
acagacei-me e se calhar ainda me espetam com uma daquelas cruzes de
herói". Riu-se. Depois fingiu chorar, erguendo as mãos enluvadas de gaze,
e lamentou: "As armas saltavam muito, estavam em brasa, e cheguei a
agarrá-las pelo cano. Nem senti as queimaduras no momento".»