“No dia 1 de junho de 1890, Camilo Castelo Branco
encontrava-se em sua casa, em S. Miguel de Seide, no concelho de Famalicão.
Recebeu a visita do médico, que lhe examinou os olhos e que lhe recomendou
descanso e tratamento numas termas.
O escritor sofria há muito de uma cegueira progressiva,
causada pela sífilis, e o seu estado era praticamente irreversível. Enquanto a
sua mulher conduzia o médico à porta de saída, Camilo, sentado na sua cadeira
de baloiço, disparou um tiro de revólver na cabeça. O escritor sobreviveu ainda
durante algumas horas, mas não resistiu ao ferimento. Foi sepultado três dias
mais tarde, no jazigo de um amigo, no cemitério da Venerável Irmandade de Nossa
Senhora da Lapa, no Porto, como era seu desejo.
O suicídio encerrou uma vida longa e infeliz, marcada pela
instabilidade, pelos infortúnios e, nos últimos anos, pela doença, que o autor
refletiu na sua obra literária.
Como foi a sua vida?
Camilo Castelo Branco nasceu em 1825, em Lisboa. Ficou órfão
de mãe e pai muito jovem e foi criado por uma tia, em Vila Real. Estudou na
Escola Médica do Porto e, mais tarde, em Direito.
Camilo tinha uma personalidade irrequieta e inconstante e
esteve envolvido em polémicas durante toda a sua vida. Na altura da revolta da
Maria da Fonte, em 1846 chegou a combater ao lado da guerrilha miguelista.
A sua vida pessoal foi muito tumultuosa. Casou aos 16 anos e
as suas ligações amorosas, que eram motivo de escândalo para a moral vigente,
levaram-no a fugas, mudanças de residência e à prisão, por mais de uma vez.
O episódio mais conhecido da sua biografia é, precisamente,
a sua paixão por Ana Plácido, uma jovem noiva e posteriormente casada com um
rico negociante do Porto, com quem fugiu. Por este motivo, estiveram ambos
presos durante um ano, até à absolvição em julgamento.
A morte do filho, a infelicidade da sua vida familiar, as
permanentes dívidas e o agravamento da sua doença acabaram por conduzi-lo ao
suicídio, quando tinha 65 anos.
E de que forma isso está refletido na sua obra literária?
Costuma dizer-se que os romances e novelas de Camilo foram
uma espécie de catarse, de reflexo da sua vida pessoal. É, por exemplo,
evidente o paralelo que pode ser estabelecido entre a odisseia da sua relação
com Ana Plácido e a trama do seu romance mais célebre, o Amor de Perdição, que
trata de um amor desesperado, trágico e sem remissão, causado pelos
constrangimentos sociais da época.
Camilo Castelo Branco escreveu de forma muito intensa ao
longo de toda a sua vida, em vários géneros, porque a escrita era o seu
principal sustento. Deixou mais de 260 obras, escritas ao longo de quase 40
anos.
Apesar do tom pessimista das suas novelas e de o seu fim
trágico deixar entender uma vida de infelicidade, de injustiça e de infortúnio,
Camilo gozou de um pleno reconhecimento do seu mérito literário, durante os
últimos anos da sua vida, quer por parte do público, quer dos escritores e
intelectuais portugueses. Foi, além disso, homenageado pela Academia de
Ciências de Lisboa e o rei concedeu-lhe o título de Visconde de Correia
Botelho.”