Nascido em 21 de novembro de 1826, na cidade do Porto,
filho da pequena burguesia liberal, Soares de Passos, aos vinte anos de idade,
partiu para Coimbra, onde começou a escrever e onde fundou o jornal literário O
Novo Trovador, para o qual colaboraram diversos poetas da segunda geração
romântica de Portugal.
Sua poesia, inscrita na atmosfera de seu tempo, imersa no
ideário ultra-rromântico, paira sobre uma temática simultaneamente sombria e
reivindicativa. Reivindicativa porque, ao lado de uma lírica ultra-romântica,
apresenta também textos de protesto, que advogam valores de progresso e
liberdade (...)” Gleiton Lentz
Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da
sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
Que paz tranquila!... mas eis
longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um
monge,
D'entre os sepulcros a cabeça
ergueu.
Ergueu-se, ergueu-se!... na
amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.
Ergueu-se, ergueu-se!... com
sombrio espanto
Olhou em roda... não achou
ninguém...
Por entre as campas, arrastando o
manto,
Com lentos passos caminhou além.
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao
fim,
Parou, sentou-se e com a voz
magoada
Os ecos tristes acordou assim:
"Mulher formosa, que adorei
na vida,
"E que na tumba não cessei
d'amar,
"Por que atraiçoas, desleal,
mentida,
"O amor eterno que te ouvi
jurar?
"Amor! engano que na campa
finda,
"Que a morte despe da ilusão
falaz:
"Quem d'entre os vivos se
lembrara ainda
"Do pobre morto que na terra
jaz?
"Abandonado neste chão
repousa
"Há já três dias, e não vens
aqui...
"Ai, quão pesada me tem sido
a lousa
"Sobre este peito que bateu
por ti!
"Ai, quão pesada me tem
sido!" e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na
mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
"Talvez que rindo dos
protestos nossos,
"Gozes com outro d'infernal
prazer;
"E o olvido cobrirá meus
ossos
"Na fria terra sem vingança
ter!
– "Oh nunca, nunca!" de
saudade infinda
Responde um eco suspirando além...
– "Oh nunca, nunca!"
repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços
tem.
Cobrem-lhe as formas divinas,
airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal
palor.
"Não, não perdeste meu amor
jurado:
"Vês este peito? reina a
morte aqui...
"É já sem forças, ai de mim,
gelado,
"Mas inda pulsa com amor por
ti.
"Feliz que pude acompanhar-te
ao fundo
"Da sepultura, sucumbindo à
dor:
"Deixei a vida... que
importava o mundo,
"O mundo em trevas sem a luz
do amor?
"Saudosa ao longe vês no céu
a lua?
– "Oh vejo sim... recordação
fatal!
– "Foi à luz dela que jurei
ser tua
"Durante a vida, e na mansão
final.
"Oh vem! se nunca te cingi ao
peito,
"Hoje o sepulcro nos reúne
enfim...
"Quero o repouso de teu frio
leito,
"Quero-te unido para sempre a
mim!"
E ao som dos pios do cantor
funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral
mistério
Foi celebrada, d'infeliz amor.
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
Porém mais tarde, quando foi
volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro
unido,
Foram achados num sepulcro só.
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Inscrição à entrada do Cemitério da Lapa (Porto) da autoria de Soares de Passos (1826-1860). |