domingo, 12 de outubro de 2025

Poesias

Título: Poesias
Autor: A. A. Soares de Passos
Editor: Casa de A. R. da Cruz Coutinho, Editor - Porto
Edição: 6ª edição
Ano: 1875
Encadernação: Capa dura, ferros a ouro apagados
Idioma: Português
Nº de Páginas: 214 páginas
Dimensões: In-8º - 13 cm x 20 cm 
Estado de conservação: Bom, capa cansada com letras a ouro apagadas, miolo limpo

Preço:  23,00 € + portes de envio
Referência: 2510001

Sinopse: “No ano de 1855, António Soares de Passos, poeta lusitano, publicava a sua primeira e única coletânea de versos intitulada Poesias.  Sem símiles no período em que fora escrita, a obra — ambientada a meio de túmulos e lousas de pátina nuança e a paisagens outonais de funda melancolia — se apresenta como um verdadeiro epitáfio no contexto literário da época.

Nascido em 21 de novembro de 1826, na cidade do Porto, filho da pequena burguesia liberal, Soares de Passos, aos vinte anos de idade, partiu para Coimbra, onde começou a escrever e onde fundou o jornal literário O Novo Trovador, para o qual colaboraram diversos poetas da segunda geração romântica de Portugal.

Sua poesia, inscrita na atmosfera de seu tempo, imersa no ideário ultra-rromântico, paira sobre uma temática simultaneamente sombria e reivindicativa. Reivindicativa porque, ao lado de uma lírica ultra-romântica, apresenta também textos de protesto, que advogam valores de progresso e liberdade (...)”  Gleiton Lentz

Soares de Passos

O noivado do sepulcro
 
Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
 
Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.
 
Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.
 
Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
 
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
 
"Mulher formosa, que adorei na vida,
"E que na tumba não cessei d'amar,
"Por que atraiçoas, desleal, mentida,
"O amor eterno que te ouvi jurar?
"Amor! engano que na campa finda,
"Que a morte despe da ilusão falaz:
"Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
"Do pobre morto que na terra jaz?
 
"Abandonado neste chão repousa
"Há já três dias, e não vens aqui...
"Ai, quão pesada me tem sido a lousa
"Sobre este peito que bateu por ti!
 
"Ai, quão pesada me tem sido!" e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
 
"Talvez que rindo dos protestos nossos,
"Gozes com outro d'infernal prazer;
"E o olvido cobrirá meus ossos
"Na fria terra sem vingança ter!
 
– "Oh nunca, nunca!" de saudade infinda
Responde um eco suspirando além...
– "Oh nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
 
"Não, não perdeste meu amor jurado:
"Vês este peito? reina a morte aqui...
"É já sem forças, ai de mim, gelado,
"Mas inda pulsa com amor por ti.
 
"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
"Da sepultura, sucumbindo à dor:
"Deixei a vida... que importava o mundo,
"O mundo em trevas sem a luz do amor?
"Saudosa ao longe vês no céu a lua?
– "Oh vejo sim... recordação fatal!
– "Foi à luz dela que jurei ser tua
"Durante a vida, e na mansão final.
 
"Oh vem! se nunca te cingi ao peito,
"Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
"Quero o repouso de teu frio leito,
"Quero-te unido para sempre a mim!"
 
E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério

Foi celebrada, d'infeliz amor.
 
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
 
Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.

Inscrição à entrada do Cemitério da Lapa (Porto)
da autoria de Soares de Passos (1826-1860).