"Entre os mais humildes comércios do mundo está o do
livreiro. Embora sua mercadoria seja a base da civilização, pois que é nela que
se fixa a experiência humana, o livro não interessa ao nosso estômago nem a
nossa vaidade. Não é, portanto compulsoriamente adquirido. – O pão diz ao
homem: ou me compras ou morres de fome; - O batom diz á mulher: ou me compras
ou te acharão feia. E ambos são ouvidos. Mas se o livro alega que sem ele a
ignorância se perpetua, os ignorantes dão de ombros, porque é próprio da
ignorância sentir-se feliz em si mesma, como o porco com a lama. E, pois o
livreiro vende o artigo mais difícil de vender-se. Qualquer outro lhe daria
maiores lucros; ele o sabe e heroicamente permanece livreiro. E é graças a esta
generosa abnegação que a árvore da cultura vai aos poucos aprofundando as suas
raízes e dilatando a sua fronde. Suprimam-se o livreiro e estará morto o livro
– e com a morte do livro retrocederemos á idade da pedra, transfeitos em
tapuias comedores de bichos de pau podre. A civilização vê no livreiro o
abnegado zelador da lâmpada em que arde, perpetua à trêmula chamazinha da
cultura."