São só 24
volumes encadernados em percalina verde.
– Meu filho,
é livro demais para uma criança!…
– Compra
assim mesmo, pai, eu cresço logo.
– Quando
crescer, eu compro. Agora não.
– Papai, me
compra agora. É em percalina verde,
só 24
volumes. Compra, compra, compra!…
– Fica
quieto, menino, eu vou comprar.
– Rio de
Janeiro? Aqui é o Coronel.
Me mande
urgente sua Biblioteca
bem-acondicionada,
não quero defeito.
Se vier com
um arranhão, recuso. Já sabe:
Quero a
devolução de meu dinheiro.
– Está bem,
Coronel, ordens são ordens.
Segue a
Biblioteca pelo trem-de-ferro,
fino caixote
de alumínio e pinho.
Termina o
ramal, o burro de carga
vai levando
tamanho universo.
Chega
cheirando a papel novo, mata
de pinheiros
toda verde.
Sou o mais
rico menino destas redondezas.
(Orgulho,
não; inveja de mim mesmo)
Ninguém mais
aqui possui a coleção das Obras Célebres.
Tenho de ler
tudo. Antes de ler,
que bom
passar a mão no som da percalina,
esse cristal
de fluida transparência: verde, verde…
Amanhã
começo a ler. Agora não.
Agora quero
ver figuras. Todas.
Templo de
Tebas, Osíris, Medusa, Apolo nu, Vênus nua…
Nossa
Senhora, tem disso nos livros?!…
Depressa, as
letras. Careço ler tudo.
A mãe se
queixa: Não dorme este menino.
O irmão
reclama: Apaga a luz, cretino! Espermacete cai na cama, queima a perna, o sono.
Olha que eu
tomo e rasgo essa Biblioteca
antes que
pegue fogo na casa.
Vai dormir,
menino, antes que eu perca a paciência e te dê uma sova.
Dorme,
filhinho meu, tão doido, tão fraquinho.
Mas leio,
leio… Em filosofias tropeço e caio,
cavalgo de
novo meu verde livro,
em
cavalarias me perco, medievo;
em contos,
poemas me vejo viver.
Como te
devoro, verde pastagem!…
Ou antes
carruagem de fugir de mim
e me trazer
de volta à casa
a qualquer
hora num fechar de páginas?
Tudo que sei
é ela que me ensina.
O que
saberei, o que não saberei nunca,
está na
Biblioteca em verde murmúrio
de
flauta-percalina eternamente.