Autor: D. Alberto Bramão
Editor: Livraria Central Editora - Lisboa
Edição: 1ª edição
Ano: 1935
Dimensões: 12,2 cm x 16,8 cm
Nº de páginas: 48 páginas
Capa: Brochura
Estado de conservação: Apresenta sinais do tempo, tem uma dedicatória do autor ao escritor Júlio Brandão
Preço: 20,00 €
Referência: 2310016
Porém, era outra a sua matriz literária; e a produção
lírica, relativamente intensa, que dá a conhecer até ao termo do século
apresenta-o antes como um típico representante do surto neo-romântico e, dentro
dessa tendência, como um dos poetas que melhor ilustram a continuidade de
linhas temáticas e estilísticas do romantismo epigonal português.
Em 1886, o poemeto Um Beijo define bem essa condição estético-literária, ao dramatizar alegoricamente – na epifania duma Musa angélica e no diálogo com ela travado – a ânsia da euforia quimérica; a ponderação das desgraças e vilezas da existência terrena e a inquietude perante a labilidade das suas venturas, a fugacidade dos seus bens, ou perante o horizonte da morte, que cumula os desenganos, seriam contornadas pela evasão fantasista, no amor e na criação poética. Por isso, numa versificação fácil mas anódina e nos estereótipos de imagens (baixei/plagas, estrela/lago, mar/escolhos, sacrário, caverna, etc.) e adjectivos (caliginosa e estremosa, virginal e feral, divinal e letal, gentil e pulcro, etérea e sidérea, cristalina e alabastrina, incalma e infausta, cérula e ervada, etc.) herdados do romantismo menor e tardio, Um Beijo abre com um quadro de alva fecunda e idílica; e, se atinge o clímax num poente, trata-se de um crepúsculo isomórfico, antidecadentista. Aquela aurora, que no início contrastara com a depressão subjectiva, é interiorizada; apesar de tudo o que faz do Homem um Prometeu agrilhoado, «Mendigando um alívio à dor que nos consome», a Deus se deve o «pomar da vida»; e a «ventura suave» personificada na Musa pode influir na construção do «castelo de sonhos refulgentes» pela «religiosa fantasia».
Em 1895, Alberto Bramão publica uma colectânea mais
ambiciosa, Fantasias, com que pretendia responder à necessidade de «corporizar
ideias e sentimentos para desafogo dos tumultos íntimos». Sobretudo na 1ª.
parte, «Drama íntimo (Amorografia)», e na 2ª. parte, «Dispersos»,Fantasias é
uma lírica neo-romântica de amor, aliás inconsumado, não no dramático fulgor da
sensualidade e irrealização idolátrica próprio do decadentismo, mas na
sofismadora exaltação da divina mulher, em sua beleza perfeita e pura. A 3ª.
parte de Fantasias, «Quid obscurum», aspira frustemente a uma poesia de
interrogação e angústia metafísica, constituindo-se num dos vários casos
neo-românticos de fragmentos de malogrados projectos, sob o signo de Antero,
«dum vasto poema que sintetizasse [...] o tenebroso círculo do destino humano»:
«A Vida seria o protagonista dessa tragédia, [...] tendo reconhecido que o céu
religioso é uma criação arbitrária e piedosa da Fé, a Vida divisava ao fundo,
bem no fundo incomensurável precipício do Universo, o rio Nirvana, a caudalosa
corrente do esquecimento e do Nada – e despenhava-se para toda a Eternidade.»
Mas afinal é como privilégio religioso, oferta de Deus, que A. B. encara a
evasão pelo sonho que, embora em inventário de desenganos, o leva depois a
contrariar o propósito de renúncia à criação poética. Assim surge, em 1898,
nova colectânea lírica, Ilusões Perdidas, que se situa na sequência da obra
precedente. A sua discursividade parabolar, alegorizante e moralista, sujeita
ao reducionismo sentimental, o pessimismo, a nobriana «dor do pensamento», o
fluir do tempo como experiência de desengano e senescência, enfim o fatalismo
de cobertura religiosa. Em todo o caso ganham algum interesse a recorrência do
coração como dominante da subjectividade (provocando a incerteza passional e a
vertigem do desconhecimento de si mesmo) e a antevisão entre pávida e blasé da
morte e da macabra consumpção do corpo pelos vermes; o mesmo se diga, por outro
lado, do esboço de correlação consequente dos motivos exílio ôntico/ Deus
absconditus/ expiação de culpa metafísica.
Enquanto no prefácio a Fantasias fazia uma alusão
depreciativa à poética decadentista e simbolista (mostrando não entender a
estratégia «novista»), faz preceder Ilusões Perdidas de uma «profissão de fé
literária» que julga urgente em «período de anarquia estética e de tão
baralhados processos de essência e de forma»; deixa então transparecer uma
concepção conteúdistica da literatura e uma visão algo académica da linguagem
poética; opõe-se mais abertamente à singularidade imagística, ao rebuscamento
lexical e, sobretudo, à sobrevalorização da musicalidade, que caracterizavam os
esteticismos finisseculares; contrapõe-lhes uma proposta neo-romântica de
autenticidade «espontânea e simples», de arte equacionada como «idealismo
nobre» e sub-rogação das «religiões abaladas ao sopro árido da análise
positiva».
Curiosamente, a obra de A. B. que hoje mais pode reter as
atenções é uma paródia, em verdade coerentemente articulada com a condição
estético-literária até agora referenciada. Com efeito, em 1896 publica A. B. o
livro de prosas A Rir e a Sério..., cuja 1ª. parte, «O Cantagalo (história
verídica dos seus feitos)», contemplava parodicamente o conjunto da poesia
«nefelibata», embora aludindo em particular, talvez, a Eugénio de Castro (e seu
emblema, o Cata-Sol). Fantasiando o trajecto biográfico e o retrato de alguém
«mais instrumentista que René Ghil, mais magista que Sar Péladan, mais
colorista que Mallarmé e mais confusionista que todos eles», A. B. tem ocasião
de apresentar composições que visam não tanto os vectores ideotemáticos da
poesia novista quanto os seus vectores de estranhamento estilístico-formal.
Chocado especialmente pela insólita exploração das
potencialidades ópticas e fónicas dos significantes, A. B. oferece exemplos
facetos da instrumentação verbal; e, paradoxalmente, as Geométricas de
Cantagalo, resultando de uma intenção conservadora, antecipam a feição
concretista do experimentalismo poético do século XX. A 2ª. parte («Teatros e
touros») e a 3ª. parte («Verdades e paradoxos») de A Rir e a Sério...
entregavam-se à crónica, por vezes numa fronteira difusa com a breve efabulação
narrativa; e prenunciavam, desse modo, a subalternização da criação lírica
(Trigo sem Joio) na carreira novecentista de A. B. – preso nos finais da
Monarquia à actividade política (como deputado regenerador e como secretário de
Hintze Ribeiro na presidência de ministérios) e, então como mais tarde,
praticando intensamente o jornalismo em múltiplos órgãos.
Episódico dramaturgo (com o auto Julgamento do Amor, 1935) e
publicista em prefácios, conferências e livros, A. B. deixou então interessantes
obras de memorialismo e de opinião sentenciosa."
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. II,
Lisboa, 1990